JOAO SOUSA - PORTUGAL
"Insónia" (da série "O Mundo Criou-se Sozinho")
Revivo a ausência de sono. Ou será a falta? Estou à tua espera há 2
meses e meio, a porta continua aberta… até porque perdi a chave do
cadeado e, já sabes, a fechadura foi arrombada e eu não tenho sessenta
euros para mandar por uma nova. Sem dinheiro não temos como mandar nada,
dar ordens a ninguém, fazer ponta de corno. Já sabes. Recorrentemente
vou indagando pelo tempo, como se tu soubesses tudo, como se a torneira
da cozinha não pingasse de 30 em 30 segundos, como se tu tivesses a
solução para o Mundo inteiro menos para mim.
Vou padecendo
desta enfermidade recorrente, uma doença do sono que dura 24 horas do
meu dia, e apenas uma hora do teu. Primeiro tentar deitar-te e conciliar
o sono com este acto que te ensinam logo que sais do útero. Depois,
quando concebes dormir na hora certa, vais acordando a meio de todas as
noites. E quando já és uma espécie de doente terminal (ou assim me disse
o médico e também a wikipédia), dormes a noite quase toda, e acordas às
5 da manhã, despertando 3 horas antes do comum, da hora do despertador,
da hora do autocarro, da hora do comboio, da hora da puta que te pariu.
Não consegui limpar a casa toda. Deu-me um ataque de asma súbito… o pó
subiu ao nariz. Sempre me disseste para ter cuidado com o pó no nariz.
Mas sempre me quis mostrar mais forte e capaz que qualquer outra pessoa.
E sou. Sou tão forte e capaz como qualquer outra pessoa inserida nesta
piscina de genes procriados e transformados, conforme o evoluir dos
tempos. Esqueceram-se de me moldar os genes para dormir o suficiente. Eu
não durmo o suficiente. É doença da alma? Se é doença da alma não há de
ser a limpar a casa e levar com o pó que melhorarei. Mas eu quero ficar
melhor?
Não me aborreças. Pára de me bombardear com termos
técnicos. A vida já técnica o suficiente sem esses teus termos. Fecha a
porta mas deixa a luz acesa, estou farto que me apaguem a luz quando
preciso dela acesa. E garanto que não é por culpa da merda da luz que
não durmo. Eu não durmo e ponto final. Ponto Final, parágrafo.
Não
tenho como pagar a conta do médico. Sei que podia ir para um público,
mas a vida é demasiado irritante sem dinheiro, quanto mais frequentando
hospitais ou centros de saúde públicos. Semi-públicos ou
pseudo-privados, heis a questão! Heis a grande escolha que um homem da
classe inexistente deve realizar. Coloca-me os problemas matemáticos que
quiseres e eu responder-te-ei sempre com uma solução baseada noutra
pergunta. Vou-te gerar problemas bem piores quando me pedires para te
responder seja ao que for. Desliga a tomada do candeeiro, mas não
apagues a luz do tecto, por amor de… por amor a mim, se ainda há.
Mais
uma e outra noite e eu continuo a ouvir o cão vizinho. O cão do
vizinho. É enorme e ladra muito. Para além disso faz lembrar uma espécie
de primeiro-ministro de uma ditadura democraticamente mascarada. Fala,
grita, e quando fala e grita faz com que todos os que fazem parte da sua
máquina governativa falem e gritem ao mesmo tempo. Esses, fazem com que
todos falem e gritem ao mesmo tempo. Cambada de fanáticos! A minha rua é
isto mesmo… um autêntico parlamento de cães… ou um dia de campanha
eleitoral de todos os partidos concentrados na mesma rua, das 22h às 4h
da manhã.
João Sousa, Zambujal (S.Domingos Rana), Outubro 2011
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