segunda-feira, 28 de novembro de 2011

JOAO SOUSA - PORTUGAL

"Insónia" (da série "O Mundo Criou-se Sozinho")

Revivo a ausência de sono. Ou será a falta? Estou à tua espera há 2 meses e meio, a porta continua aberta… até porque perdi a chave do cadeado e, já sabes, a fechadura foi arrombada e eu não tenho sessenta euros para mandar por uma nova. Sem dinheiro não temos como mandar nada, dar ordens a ninguém, fazer ponta de corno. Já sabes. Recorrentemente vou indagando pelo tempo, como se tu soubesses tudo, como se a torneira da cozinha não pingasse de 30 em 30 segundos, como se tu tivesses a solução para o Mundo inteiro menos para mim.

Vou padecendo desta enfermidade recorrente, uma doença do sono que dura 24 horas do meu dia, e apenas uma hora do teu. Primeiro tentar deitar-te e conciliar o sono com este acto que te ensinam logo que sais do útero. Depois, quando concebes dormir na hora certa, vais acordando a meio de todas as noites. E quando já és uma espécie de doente terminal (ou assim me disse o médico e também a wikipédia), dormes a noite quase toda, e acordas às 5 da manhã, despertando 3 horas antes do comum, da hora do despertador, da hora do autocarro, da hora do comboio, da hora da puta que te pariu.

Não consegui limpar a casa toda. Deu-me um ataque de asma súbito… o pó subiu ao nariz. Sempre me disseste para ter cuidado com o pó no nariz. Mas sempre me quis mostrar mais forte e capaz que qualquer outra pessoa. E sou. Sou tão forte e capaz como qualquer outra pessoa inserida nesta piscina de genes procriados e transformados, conforme o evoluir dos tempos. Esqueceram-se de me moldar os genes para dormir o suficiente. Eu não durmo o suficiente. É doença da alma? Se é doença da alma não há de ser a limpar a casa e levar com o pó que melhorarei. Mas eu quero ficar melhor?

Não me aborreças. Pára de me bombardear com termos técnicos. A vida já técnica o suficiente sem esses teus termos. Fecha a porta mas deixa a luz acesa, estou farto que me apaguem a luz quando preciso dela acesa. E garanto que não é por culpa da merda da luz que não durmo. Eu não durmo e ponto final. Ponto Final, parágrafo.
Não tenho como pagar a conta do médico. Sei que podia ir para um público, mas a vida é demasiado irritante sem dinheiro, quanto mais frequentando hospitais ou centros de saúde públicos. Semi-públicos ou pseudo-privados, heis a questão! Heis a grande escolha que um homem da classe inexistente deve realizar. Coloca-me os problemas matemáticos que quiseres e eu responder-te-ei sempre com uma solução baseada noutra pergunta. Vou-te gerar problemas bem piores quando me pedires para te responder seja ao que for. Desliga a tomada do candeeiro, mas não apagues a luz do tecto, por amor de… por amor a mim, se ainda há.
Mais uma e outra noite e eu continuo a ouvir o cão vizinho. O cão do vizinho. É enorme e ladra muito. Para além disso faz lembrar uma espécie de primeiro-ministro de uma ditadura democraticamente mascarada. Fala, grita, e quando fala e grita faz com que todos os que fazem parte da sua máquina governativa falem e gritem ao mesmo tempo. Esses, fazem com que todos falem e gritem ao mesmo tempo. Cambada de fanáticos! A minha rua é isto mesmo… um autêntico parlamento de cães… ou um dia de campanha eleitoral de todos os partidos concentrados na mesma rua, das 22h às 4h da manhã.

João Sousa, Zambujal (S.Domingos Rana), Outubro 2011
 

domingo, 27 de novembro de 2011

RHO DOURADO MCLEOD - GALIZA

Beyond the lochs of the blood of children of men...
Hoxe fiquei soa coas pantasmas que atormentan o meu clan. Subo ao meu Cuillin particular e observo. Aínda o eco devolve golpes mortais da Coire Na Creich. Sinto a presenza dos cervos e doume conta que Bruach tamén fita abraiada para a mesma peza teatral.

Aló abaixo, onde o ceo ten sempre a mesma cor, encóntrase o inmenso formigueiro de tixolo que cobre o val da miña estirpe derrotada. Os meus ollos penetran o ventre perpetuo e castigado cun parto infinito de exércitos escuros. Formigas autómatas que gravitan nunha danza medida polo compás das máquinas e a tonalidade das cores: vermello silencio, laranxa allegro, verde adagio... o claxón imposíbel marca entre bambalinas o cambio de escenario. Tempo inmediato, movementos prestos que deixan a súa pegada na oronimia da pedra, o ferro e o alcatrán. Nada perdura para sempre, evoluciona e reconvértese nun novo leitmotiv para furtivos noctámbulos de dedo áxil e catro rodas. Aquí e acolá, xermolan intentos de rebabiloniciacións imposíbeis fronte a Persépolis emerxentes, parches seléucidas de conveniencia. O inmediato como eixo vertebrador.

Desde as montañas dos deuses negros escoito ese esperanto moderno, a onomatopea mecánica do val de outeiros grises e árbores de ferro. Miro ao meu redor, comprendo e escribo, no penedo sagrado, as palabras que nos farán libres. Coa esperanza de que quizais, algún día, unha delas erga a cabeza e descubra que non sempre foron formigas.
E, nese preciso momento, Sorley susurra no meu ouvido: watchful, heroic, the Cuillin is seen rising on the other side of sorrow.

Rho Dourado, Ribadeo. Novembro de 2011.

ALBERTO POMBO - GALIZA

"Tingida de azul violência"

Nasceu no meio de uma madrugada tingida de azul violência. Servos fiéis, os cães ladravam como prolongação dos fardados que enchiam o céu de palavras limpas berrando o nome da mamã. As luzes davam medo. Cada vez que um brilho cerúleo nos tocava a pele era como um galopar escuro de metralhada pelas costas. Mamã também fugia do seu pânico de nunca mais ser. Era a última evasão a ela própria e tinha comprado a liberação espetando umas tesouras de costura no meio daquele homem asqueroso. Eu tinha 7 anos e uma espiral infinita de horror e rancor nos olhos. Furtivas traçámos um ziguezague pelos pátios cúmplices das vizinhas até chegar aos pés da casa da mulher que curava as sombras.

A cidade crescia aos nossos olhos como um labirinto com boca negra de mal infectuoso e portas fechadas. Hipócrita com aquelas caminhadas de normalidade pela avenida que às vezes tinham dado cama de pedra dura para nós. Às poucas horas começou o nascimento nos arrabaldes da liberdade. A minha irmã viu a primeira claridade naquele tubo de luz da cozinha cheio de moscas enquanto as mãos dos fardados punham música de tronos batendo nas portas daquela casa. No que fora o nosso tecto, o nojento já devia ter enchido o quarto de sangue e com certeza continuaria berrando como o porco que era deixando a vida aos poucos. A mamã morreu naquela mesa que cheirava a gordura de chouriço e a vida nova e para a minha irmã, a luz durou pouco. A música de trovão terminou e começou o inverno.

Não deviam ter passado mais de duas ou três semanas e já estávamos na casa do nosso pai novamente. Aquele prédio mudo era parceiro do maltrato e senti nojo ao pôr os pés naquele chão de caras conhecidas. No colo dos senhores da justiça, a minha irmã fechou os olhos antes de ver o rosto duro e impune daquele monstro.

Neste instante de caneta, tenho 12 anos e também eu tenho as mãos fortes para pegar nas tesouras justiceiras e orgulhosas de mamã.

TANIA AF - GALIZA

Eles nunca me dixeron como debía comportarme, non había pautas, non había cores nin bandeiras na súa casa. Eles non ían da man, non se amaban... así e todo a min abofé que me amaban... e moito.
Cada un dábame o mellor de si mesmo, mais por separado. Tiven con el violentas discusións, parolas noite e día, reconciliacións marabillosas. Tiven con ela, silencio testemuño, comprensión sen verbas, retranca natural. Tal era o mundo que nós compartiamos, que non nos decatamos do que acontecía fóra dos seus valados. De vagar pasaron anos, anos significativos especialmente para min por mor da miña corta idade, da miña xuventude despois; anos significativos especialmente para eles por mor da súa xuventude, da súa madureza despois.

Foi o mundo quen traspasou os nosos valados, eu mozo, eles xa un home e unha muller, os tres afastados, os tres acubillados en tres novas cidades. Eu acollín a miña, a que me foi dada, como iso, como acubillo da miña dor tralo adeus, e segundo me ensinaran non lle apliquei pautas, nin cores, nin bandeiras; houben de comela dun bocado, de respirala sen prexuízos, percorrina canso sen descanso, baixe aos seus infernos, acadei mesmo os seus ceos.

Foi a cidade quen traspasou o meu “telón de aceiro”. Colliume no seu colo, batiume, mancoume o corpo todo, púxome do revés. Nas súas rúas, nas súas tabernas, coa súa xente, esquecinme deles, acordei de min mesmo. De súpeto pasaron anos.

Mais chegou o día no que por fin fun quen de volvelos ver. Paseei polas súas cidades coma un simple turista que volta ao lugar onde mellor foi tratado.

Hoxe, a piques de me despedir da miña cidade, non sinto pesar non, síntome máis feliz ca nunca. Fago turismo varias veces ao ano e sego sen ter pautas, nin cores nin bandeiras..., por iso marcho.

EMILIO CAMBEIRO - GALIZA

Chámome Soult. Cando nacín puxéronme nome de can. Seica era usual no rural da beira atlántica ter sempre na casa algún can chamado Soult, mais ao eu nacer xa non había can; así acabei eu co nome.

Hai uns tres anos deixei o fogar natal no cal me eu criei. Viñen á cidade acompañando ao meu “amo” nun día de moita calor. Lembro ben o sol a bater forte e iluminar o grande río. Eu nunca visitara a cidade. Ningunha cidade. Edificios, estradas, coches, tendas, persoas, bares, fume, luces e luces e luces e centos e centos de luces que toleaban e fascinaban aos meus inocentes ollos daquel tempo. A confusión. A loucura.

Ao cabo dunhas poucas semanas xa lle perdera o pánico, o medo inicial ao descoñecido. Comecei así a escapar pola noite e percorrer as ruelas dos diferentes bairros, fascinado pola contraste entre a pedra, a auga e os farois amarelos a palidecer no escuro. Mais a miña perdición foi coñecer o meu bairro actual. Ruelas imposíbeis a se cruzar en mil labirintos escuros que achegan a beira do río coa montaña, onde está o señorial castelo que a coroa e observa con desdén ao resto da cidade. Escadas, escadinhas, becos… igrexas, capelas, panteóns… cantidade desmesurada de rueliñas e igrexas nunca antes vista polos meus ollos felinos. Apaixoneime da súa noite de tal modo que todas as noites sentíame estrañamente atraído por unha forza rara, que me facía fuxir e me dirixir cara o lugar dos mil becos, ao lugar dos vidros partidos polo chan do que nalgún momento pasado fora unha garrafa de viño, lanzada violentamente contra as paredes por algún nostálxico de Avril, até as pelotas da situación actual.

Esta necesidade de a percorrer cada noite, mesmo como a necesidade do sangue a pasar polas mil veas que atinxen o meu corpo e me dan a vida, foi o que me levou a tomar a decisión de fuxir. Non nacera para animal de casa. Non nacera para agardar ao meu “amo” e dar voltas sobre as súas pernas para suplicar o meu alimento. Deixarme acariñar coma un parvo para ter garantido o meu sustento e agardar por el, agardar na casa tendo todo o bairro para min só… iso si que non.

Aos poucos funme introducindo na súa vida até o día de hoxe, día que me considero un máis dos seus habitantes; un máis a percorrer as súas rúas que me dan a vida. Ser un máis, e compartir con eles os días, compartir as noites, compartir as vellas mesas de madeira roída que soportan cóbados cansos e xerras de viño, mentres o silencio sepulcral tacitamente pactado por todos os que frecuentamos os tascos nocturnos deixa paso á voz e ao lamento desgarrado. Deixa paso á poesía. Deixa paso á palabra melancolía.

KUSTER ARAGEM -

Tengo miedo
Tengo miedo porque me voy haciendo mayor y voy perdiendo vista, reflejos, oído... menos mal que todavía no uso cayá. Tengo miedo porque los semáforos para los automovilistas en mi ciudad nunca se ponen en rojo para que pasen los peatones: se ponen en rojo solo para que pasen otros automovilistas en los cruces. Si solo se cruzan con peatones, los semáforos de los automovilistas se ponen en ambar, nunca en rojo. Como dice la madre de un gran escritor cacereño: bienaventurados los que crean en los pasos de cebra, porque pronto verán a dios.
Tengo paciencia, todavía, para esperar cinco minutos en cada semáforo, y piernas para atravesar cuatro carriles en 16 segundos: pero tengo miedo porque no sé por cuánto tiempo tendré suficiente paciencia y piernas. Tengo miedo porque mi hijo anda en la edad del pavo y atiende a todo tipo de pasiones antes de cruzar por un paso de peatones, y un conductor no tiene en cuenta las pasiones de sus vecinos preadolescentes o mayores, ni siquiera parece enterarse de que lleva entre manos la más productiva máquina de matar que la humanidad ha inventado.
Tengo mucho miedo porque ayer uno de esos artefactos se llevó por delante a Mario, compañero del equipo de basket de mi hijo, de 13 años, en el paso de cebra a la puerta del María, y hace unos meses a Paula, una musa de 11 años, en el paso de cebra del múltiple. Tengo pánico porque el poder de manejar un arma con ruedas y cilindros a muchos de mis vecinos les ha sacado de esta realidad a pie de calle que sufrimos los peatones, sin ser conscientes de que se enfrentan a la que quizá sea la única máquina de matar más poderosa que su coche: el terror. Y yo ya tengo terror, no ya de convertirme en un abuelo hooligan, sino en un auténtico terrorista con cayá que llame a la yihad peatonal.

sábado, 5 de novembro de 2011

MARIA REGINA MONGIARDIM - POTUGAL

VASANT VIHAR - NOVA DELHI
Despertam-me ruídos familiares, que ouço todas as manhãs, quando o sol já entra a rodos pelas vidraças das janelas, inundando de luz e laivos de poeira incandescente, suspensa no ar, os compartimentos da casa.

Oiço um sino, uma buzina, campaínhas de bicicleta e um pregão, que em voz ininteligível se repete, anunciando não sei o quê de bem popular, a julgar pela clientela que atrai.

É cedo ainda.
Mal o dia começou, já a agitação se assenhoreou da cidade, do bairro, do quarteirão, da rua onde vivo. O mundo gira lá fora; há gritos, há movimento, há cheiros, há cores...

Olho através das vidraças. Observo o que me rodeia. Sinto este exotismo que me penetra nos sentidos.

Pessoas, animais de várias espécies, carros, motas e bicicletas misturam-se, sem ordem, nem regras, em amena coexistência e plena aceitação.

Aqui e ali grupos de homens tisnados, à conversa, sem pressas e indolentes. Sentados no chão uns, em cadeiras outros, ainda outros de cócoras, de pé os demais.
Entre esses grupos, posso reconhecer os porteiros, seguranças, motoristas e criados, preparando-se para mais um dia de trabalho igual aos outros, nesta cidade abrasadora, desta Índia incandescente.

Perto, com um velho carro de mão transformado em banca de venda ambulante, um homem magro, de tez escura e cabelo vermelho da henna, vai distribuíndo copos de plástico cheios de um líquido verde, extraído de plantas frescas, viçosas, dispostas num balde de plástico, de cor indefinida já esmaecida pelo tempo e falta de limpeza.

Nas ruas circundantes mais próximas, várias mulheres sem idade, agachadas ou de cócoras, limpam das ervas daninhas os passeios esburacados e poeirentos, enquanto outras, encurvadas, vão varrendo as bermas, com curtas vassouras improvisadas feitas de ramas das árvores que lhes fazem sombra, juntando em pequenos montes um lixo que não recolhem.

Perto rondam as vacas sagradas, que irão aproximar-se para procurar alimento, destruindo esses montículos de lixo. As suas bostas, que também ninguém recolhe, alcatifam as ruas, os passeios, os pátios de acesso aos mercados, onde convivem com os alimentos à venda.

Um pouco mais longe, outras mulheres, mais jovens, envoltas nos seus brilhantes saris multicolores, carregam sobre as cabeças erguidas canastas cheias de pedra, tijolos, areia e entulho das obras em que laboriosamente trabalham, enquanto com o seu braço disponível estendido vão orientando os passos indecisos dos seus filhos, quase ainda bebés. Verdadeiros exércitos de mulheres coloridas entram e saem por entre os andaimes de bambú dos prédios em construção.

Mais além, uma mísera barraca esventrada exibe, publicamente e sem pudor, pobres camastros semi-destruídos, um monte de roupa suja, umas panelas negras e amolgadas, uns tristes trastes...

E a seu lado, na berma do passeio, um homem lava os dentes, enquanto outro, com um pequeno púcaro, vai derramando água pelo tronco nu, num asseio habitual e possível nestas precárias condições.

Mais adiante, junto ao tronco de uma frondosa árvore, que serve de suporte a um pequeno espelho corroído e baço, uma velha cadeira de barbeiro, onde um cliente se senta e corta o cabelo.

É este o cenário e o ambiente intenso, de cada manhã, num exclusivo bairro de expatriados e de indianos da classe média-alta em Nova Deli: Vasant Vihar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

MARC DARKIN - GALIZA

FINALMENTE

Unha sensación nunca esquecida apoderouse del cando albiscou desde a cabina a silueta familiar do pequeno planeturbe. Malia tanto tempo de ausencia, non se apagaran os ecos dunha saudade fraguada en mundos incriblemente distantes. A tristeza que apreixara o corazón, responsable dunha marcha necesaria para a propia integridade, xa non o alagaba como antano. Así un día soubo que por fin viñera o momento do retorno.

Aínda arrastraba no seu interior un pouso de desacougo inevitable, mais agora semellaba esvaecerse coa vista das vellas torres de Iagostela, identificables mesmo para moitos que nunca antes se achegaran a tan remoto confín daquel espacio.

Cantas veces pensara na volta, nas rúas estreitas do querido planeturbe, naquela tranquilidade case ingrávida que se rompeu para el un día malfadado, escoitando aquel antiquísimo cantar que falaba das cidades como libros que se len cos pés. Os seus pronto relerían nidiamente as liñas que a súa memoria fixera algo borrosas.

Sentiu o seu ánimo quecer coa proximidade do lugar onde viñera á vida. Onde seguramente ía rematala. Agora xa non o agardaba ninguén. Ou si? Lembrou...