domingo, 27 de novembro de 2011

ALBERTO POMBO - GALIZA

"Tingida de azul violência"

Nasceu no meio de uma madrugada tingida de azul violência. Servos fiéis, os cães ladravam como prolongação dos fardados que enchiam o céu de palavras limpas berrando o nome da mamã. As luzes davam medo. Cada vez que um brilho cerúleo nos tocava a pele era como um galopar escuro de metralhada pelas costas. Mamã também fugia do seu pânico de nunca mais ser. Era a última evasão a ela própria e tinha comprado a liberação espetando umas tesouras de costura no meio daquele homem asqueroso. Eu tinha 7 anos e uma espiral infinita de horror e rancor nos olhos. Furtivas traçámos um ziguezague pelos pátios cúmplices das vizinhas até chegar aos pés da casa da mulher que curava as sombras.

A cidade crescia aos nossos olhos como um labirinto com boca negra de mal infectuoso e portas fechadas. Hipócrita com aquelas caminhadas de normalidade pela avenida que às vezes tinham dado cama de pedra dura para nós. Às poucas horas começou o nascimento nos arrabaldes da liberdade. A minha irmã viu a primeira claridade naquele tubo de luz da cozinha cheio de moscas enquanto as mãos dos fardados punham música de tronos batendo nas portas daquela casa. No que fora o nosso tecto, o nojento já devia ter enchido o quarto de sangue e com certeza continuaria berrando como o porco que era deixando a vida aos poucos. A mamã morreu naquela mesa que cheirava a gordura de chouriço e a vida nova e para a minha irmã, a luz durou pouco. A música de trovão terminou e começou o inverno.

Não deviam ter passado mais de duas ou três semanas e já estávamos na casa do nosso pai novamente. Aquele prédio mudo era parceiro do maltrato e senti nojo ao pôr os pés naquele chão de caras conhecidas. No colo dos senhores da justiça, a minha irmã fechou os olhos antes de ver o rosto duro e impune daquele monstro.

Neste instante de caneta, tenho 12 anos e também eu tenho as mãos fortes para pegar nas tesouras justiceiras e orgulhosas de mamã.

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