JOÃO SOUSA - PORTUGAL
Olhava
de lado. Desconfiava sempre da luz amarela dos candeeiros que
atormentavam o quarto por entre os buracos do estore. Os camiões
carregavam em simultâneo o ruído e as mercadorias - símbolos da
distância duma nova aurora. Os sonhos tornavam-se autoestradas, e
vagueava entre as portagens da alma e os postos de serviço que a
despertavam para a vida.
Não tinha carro e sabia bem como andar
entre os comboios e os autocarros da vila. Sentava-se ou ficava de pé
numa das carruagens do metro... e olhava como só as carruagens à frente
se moviam. A sua estava parada mesmo com o metro em movimento.
Os
pensamentos paravam entre as estações, e as recordações faziam um jogo
sujo entre o passado e o desejo de um futuro. Os frutos da sua
imaginação cresciam nas árvores asfixiadas pelos tubos de escape,
pelos bêbados que as mijavam e circulavam no próprio vómito e barulho.
As festas internas da sua convicção estavam fechadas a um número
específico de emoções, só algumas tinham entrada-livre.
A porta
do autocarro abria em cada paragem - as velhotas entravam e
atrapalhavam-se, contado trocos e pedindo desculpa ao poste fixo no meio
do autocarro, convencidas de que iam contra alguém. A poesia nascia
entre os prédio cada dia mais altos - versos cada dia mais baixos,
lágrimas cada dia mais soltas.
Os candeeiros apagaram e o Sol
acendeu o resto da casa. Era dia, e a noite não queria mais adormecer.
Com esforço, olhando para os bilhetes pré-pagos, bebia um café e fumava o
primeiro de muitos cigarros. Impressionantes, as figuras do fumo
espelhadas na alma.
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