DIOGO GODINHO - PORTUGAL
De
súbito, já estava à porta. As ruas da madrugada vieram-lhe habitar os
escombros da isolação. Saiu à luz da alba. Cruzou avenidas, arrancou
cruzamentos, destapou ruas-ruelas, entranhou-se nos pulmões da cidade.
Respirou. Em cada baque agarrou as mãos ao batimento da urbe. Os carros
não passaram, as avenidas não se cruzaram, as passadeiras ficaram
inertes à espera do próximo trauseunte. Da cidade, o coração-baixa ficou
estanque. Inundaram-se de pálido todas as praças. Ninguém passou. Os
semáforos pararam. A sinalização dos semáforos comandou o destino para
onde já ninguém ia. Havia vermelho de sinais em progressão estática no
tempo. As luzes fecharam-se. Mergulhou na cidade.
De súbito, abriu a porta. Apagou as luzes que restavam da última noite. Fez-se ruído a bater nas orelhas do silêncio
que habitava as estradas. Saiu para a consumação do posterior dia.
Despiu-se dos escombros que o isolavam. Agarrou na coragem, guardou-a na
algibeira e acendeu um cigarro. Lentamente, a digressão dos seus passos
chacinou o peso da atmosfera que o engolia. Saiu para fora de tudo.
Saiu de casa. Percorreu a efeméride da urbe de uma ponta à outra. Os
seus olhos-de-lava evaporaram-se na submissão dos candeeiros. Queimou as
luzes. Acendeu de óleo novas estações. Disparou os motores em inércia.
Fechou os olhos. Dentro de si, recriou novamente a cidade.
De
súbito, cessou o sonho. Em distância, fechou a câmara da rodagem
nocturna. Colou as sequências, uma a uma, calçada atrás de calçada na
figuração geométrica do seu puzzle de sonhos. Juntou as visões, e o
meditar sobre elas. Havia sobriedade a passar no seu painel de vigília.
Guardou os livros na estante. Abriu a casa ao exterior. Em retardo, o
sémen da estrela de todas as manhãs veio iundar a casa. Arrumou a um
canto, o ébrio sonho em garrafas da noite anterior. Despiu-se da sua
manipulação de genesis num retrato de urbe ao relento no fim dos dias.
Não procriou. Abriu a janela. Lá fora, de súbito, havia uma cidade em
concrecto.
Diogo Godinho
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